Fidélia solta o pássaro azul

Por Linaldo Guedes (*)

A relação entre poesia e música é antiga e remonta aos gregos. Qualquer aprendiz de poeta sabe bem disso, sabe bem que o ritmo, a rima e as figuras de linguagem ou estilo moldam o poema de forma musical, por mais que o autor – a exemplo de um João Cabral de Melo Neto – renegue a música. Mas o que Fidélia Cassandra faz em “Antes de ser blues” não são apenas poemas com ritmo. Fidélia vai além e presta uma homenagem a um dos ritmos mais marcantes da música mundial: o Blues.

A começar da epígrafe com trechos de célebre canção de Billie Holliday e do poema de Bukowski, Fidélia Cassandra não foge aos tributos que esse ritmo merece. Daí, surgem poemas dedicados a Bessie Smith, Nina Simone, Elza Soares, Louis Armstrong, Robert Johnson, Ella Fitzgerald, Chet Baker, Sarah Vaughan e, claro, a Billie Holiday. Em seus tributos, Fidélia não se prende ao mundo do blues. Djavan, Maria Callas e Belchior são outros artistas da música homenageados nas páginas de “Antes de ser blues”.

Quem conhece a autora, sabe que esse tributo não é à toa. Fidélia é uma das mais belas vozes da música paraibana, com shows antológicos realizados em Campina Grande, sua terra natal. Nada mais natural, portanto, que resolvesse fazer uma homenagem ao universo musical e a artistas que tanto influenciaram sua carreira como cantora.

Mas Fidélia também é poeta. E das melhores vozes que a lírica paraibana produziu nos últimos anos. Vários poemas desse livro mostram sua habilidade e talento na tessitura do verso. Além do que homenageia Sarah Vaughan (que lembra o poema “As Cigarras”, de Sérgio de Castro Pinto), há poemas outros, como “Águas”, “Reclame”, “Abandono I”, “Lobo”, “Dicksoniana II”, “Leite derramado”, “Quintaniana”, “Bilhete”, “Doído”, “Esconderijo” e “Mrs Dalloway” (numa bela homenagem a Virginia Woolf). Todos esses poemas citados, além de outros que estão no livro, são responsáveis por versos dos mais líricos da poesia na Paraíba.

Em “Antes de ser blues”, Fidélia Cassandra se apresenta aos seus leitores em seu melhor momento na poesia. Depois de alguns livros publicados, Fidélia chega com uma poesia madura, lírica, bem construída, valorizando, sobretudo, a imagem e o ritmo, que é o que move todo bom poema. No poema de Bukowski citado por Fidélia na epígrafe, o autor diz que “há um pássaro azul em meu peito que quer sair”. Fidélia solta o pássaro azul preso em seu peito e se impõe como uma das melhores vozes poéticas da Paraíba.

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(*) Editor da Arribaçã Editora, Linaldo Guedes é poeta e jornalista. Nasceu em Cajazeiras, alto sertão da Paraíba, em 1968, para onde retornou no final do ano passado, após 38 anos em João Pessoa. Como jornalista atuou em praticamente todos os órgãos de imprensa da Paraíba. Atualmente é repórter de Cultura do jornal A União. Como poeta, publicou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (1998), “Intervalo Lírico” (2005), “Metáforas para um duelo no sertão” (2012) e “Tara e outros otimismos” (2016). Lançou, ainda, “Receitas de como se tornar um bom escritor” (2015) e participou de antologias e livros de outros autores. Em 2018, lançou “O Nirvana do Eu: Os diálogos entre a poesia de Augusto dos Anjos e a doutrina budista” e “Não temos wi-fi”, em parceria com Lau Siqueira, Cyelle Carmem e Letícia Palmeira. É graduado em Letras e tem mestrado em Ciências da Religião.

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