Combatendo preconceitos com a leitura

Autora de “Os cachinhos de Mili”, psicóloga Lucione Andriola conta como incentivar crianças a ler no período da quarentena

Por Cairé Andrade

O público infantil pode contar com a literatura para estímulo e opção de aprendizado. Com temas diversos, os livros dedicados a este público provocam a quebra de paradigmas e de hábitos preconceituosos como o racismo. Um exemplo é o recém-lançado “Os Cachinhos de Mili” (Arribaçã, 20 páginas, R$ 35), de Lucione Andriola.

O livro da psicóloga paraibana narra a história da protagonista que se sentia incomodada com o cabelo cacheado que possui. A proposta da obra é mostrar a importância de se aceitar com as diferenças que cada um tem. A publicação tem como coautoria a ilustradora Ingrid Stephane.

A ideia para escrever veio a partir da convivência da autora com suas duas filhas durante a quarentena. “Tenho duas meninas com cabelo acheado e neste período tudo se intensificou, em vários sentidos”, explica. “Em meio aos cuidados com os cabelos, às reclamações e gritarias, eu fui criando a história”.

Então, algo que foi inicialmente pensado de forma tímida, ganhou corpo e acabou se tornando uma criação a três. “Foi algo que fiz para elas e com a ajuda delas. Queria deixar esse momento registrado”.

A dificuldade que pessoas com cabelo cacheado normalmente enfrentam se dá, muitas vezes, pela falta de representatividade. “Muitas meninas passam a querer ter o cabelo liso por causa das bonecas e personagens de histórias. Acredito que falta mais representatividade, pois há poucas personagens cacheadas. As meninas precisam disso para perceber que elas estão inseridas e também melhorar o cuidado e a autoaceitação delas”, complementa a autora.

A história de “Os Cachinhos de Mili” foi sendo elaborada de acordo com as diferentes situações vivenciadas durante o isolamento domiciliar. Ao ter a ideia do livro oficializada, Lucione Andriola foi implementando elementos de outras histórias e, conversando com amigas que tem filhos ou não, a maioria se identificou com a dificuldade em aceitar os próprios cachos. “Muitas relembraram de quando eram crianças, de como essa fase foi difícil e de como havia ainda mais preconceito. Estou achando interessante perceber o rumo que as discussões sobre o livro estão seguindo”.

O mais importante, para a escritora, é evidenciar a discussão sobre a beleza individual e sobre as diferenças de cada um. “As diferenças fazem parte e são importantes. É um livro que se encerra com a mensagem da necessidade de autorrespeito e de respeito com o outro”, explica. Ela reforça sua satisfação com a repercussão da obra que, de início, foi escrita com direcionamento para a filha de três anos de idade. “Tem muita gente se identificando com essa questão e eu fico muito feliz”.

Minimizar o impacto

As crianças que têm uma forte necessidade de relação pessoal e interação neste período, muitas se encontram estressadas em relação à situação que é enfrentar um isolamento domiciliar. Lucione Andriola afirma que esse momento pode ser ainda ais estressante para os pequenos do que para os adultos, e parte disso se deve à falta de entendimento do que significa este isolamento. “É muito difícil porque, de repente, tudo muda. É um choque, uma mudança radical. É necessário que se converse, por menor que seja a criança, para explicar o que está acontecendo, mostrar e explorar
outras forma de entretenimento para tentar minimizar esse impacto. Tem que ter ainda mais tolerância porque é um contexto que provoca muita mudanças de humor e de comportamento”.

O ambiente da casa deve estar preparado para o acolhimento das crianças e é necessário ter calma para lidar com o que está acontecendo. “Devemos tentar relaxar, pois é um momento atípico, por isso é importante tentar estimular o aprendizado das crianças, mas mais importante do que a aprendizagem é a questão emocional”. Para um isolamento mais tranquilo, a psicóloga reforça a importância das “velhas brincadeiras”, os momentos em que a família inteira se reúne por algo em comum.

Como alternativa, a literatura pode auxiliar neste momento de diversas formas. Nas palavras de Lucione, o adulto pode ler para as crianças de qualquer idade. “A leitura abre portas, abre a imaginação, faz as crianças pensarem, imaginarem. É de extrema importância que elas sejam estimuladas, principalmente agora, que estão sem ir para a escola. O quanto antes acontecer esse estímulo, melhor”.

Os eletrônicos tornaram-se parte da rotina e as crianças estão cada vez mais familiarizadas com as ferramentas on-line. “Tem muita coisa boa, mas, como tudo, há a questão do equilíbrio. Em vez de escutar e saber o que está acontecendo, muitas vezes os adultos dão o celular. É muito mais uma postura de como os adultos lidam com as crianças, do que as crianças com os celulares. As crianças têm que viver mais o real, mas isso depende muito mais do acompanhamento dos adultos do que das crianças em si”.

(Matéria publicada no jornal A União, em 23 de julho de 2020)

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