Resenha num flash [Nenhum espelho reflete seu rosto]

Por Lima Trindade

A violência contra as mulheres se dá em diversos níveis e formas. Enquanto vivemos em confinamento por causa da COVID-19, por exemplo, os relatos e denúncias dos casos de abuso em ambientes domésticos apresentaram uma grande alta em seus números habituais. O cinema e a literatura policial se detiveram muito sobre o tema, contudo centralizaram mais o olhar nos aspectos da prática do crime em si do que na perspectiva de suas vítimas. Lembremos dos trilhers “Psicose” e “Suspeita” de Hitchcock ou dos romances de Patrícia Highsmith. O caminho percorrido por Rosângela Vieira Rocha, em seu mais recente livro, é outro. Com extrema habilidade, a autora examina os mecanismos sutis onde o patológico cenário é montado: o jogo da sedução. Particularmente, no terreno baldio das redes sociais. É lá que Helen, uma mulher solitária de pouco mais de quarenta anos, independente e carismática, conhecerá Ivan. Rosângela faz de Helen a narradora e longe de a pintar como uma garotinha boboca, uma pin-up para satisfação voyeur de adolescentes babões, apresenta-nos uma protagonista forte, inteligente e sensível, uma designer de pedras com ambições de crescimento social:

“O meu mundo é o da joalheria, onde coisas mínimas podem destruir ou salvar uma joia. O universo das facetas, em que cada pedra pode ser vista de tantos ângulos diferentes, o que muda tudo. É a esfera do vir a ser…” (p. 214)

O interesse da autora em questões de gênero não é recente, marca toda a sua trajetória desde o premiado “Véspera de Lua”, em 1990, que tratava de uma relação amorosa entre duas mulheres, passa pelo drama da bulimia e anorexia em “Fome de rosas”, e culmina com “Nenhum espelho reflete seu rosto” (Editora Arribaçã, 2019), uma ótima demonstração do seu vigor narrativo.

 

(Lima Trindade é escritor. O texto acima foi publicado em seu perfil no Facebook no dia 16 de julho de 2020)

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