Sobre “Garatujas selvagens” e “Poemas embalados à vácuo”

Por Sérgio de Castro Pinto*

 

José Inácio Vieira de Melo já tem uma fortuna crítica considerável, fruto de sua pertinácia, de sua perseverança, no trato da linguagem poética. “Garatujas selvagens”, livro recém-publicado sob a chancela da Editora Arribaçã (Cajazeiras, Paraíba, 2021), confirma os depoimentos elogiosos sobre a sua poesia, dentre eles os de Denise Emmer, Ana Miranda, Maria Vásquez Váldez, Fernando Py, Thiago de Mello e outros.

Poeta receptivo a muitos temas, José Inácio Vieira de Melo evita a cristalização da linguagem para cumprir uma trajetória que não quer chegar a lugar algum, mas, tão somente, ocupar todos os lugares e empregar a linguagem reivindicada no momento mesmo em que as musas o provocam. Fora disso, creio que a linguagem soa para ele como excrescência, como carta fora do baralho, como mero ornamento, na medida em que carece de emoção. Ou seja, a linguagem puramente experimental passa ao largo de sua poesia, que prefere se impregnar da vida que lateja fora do estéril virtuosismo verbal, do gratuito jogo de palavra-puxa-palavra.

Os poemas de “Garatujas selvagens” mantêm praticamente o mesmo nível qualitativo, embora eu destaque entre eles os que compõem a seção Cartografia do medo, que utiliza como epígrafe dois versos de uma canção de Antonio Carlos Belchior: “Eu tenho medo de abrir a porta / que dá pro sertão da minha solidão”. Que o leitor atente no jogo imagético, na originalidade dos versos, no dizer enviesado de José Inácio Vieira de Melo.

Ramiro Bernabó é o autor das ilustrações de “Garatujas selvagens”.

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“Poemas embalados a vácuos”, de Antônio Aurélio Cassiano de Andrade, compõe uma espécie de folha corrida na qual o eu lírico não é tão fingidor quanto o de Fernando Pessoa. Na verdade, a maioria dos poemas expressam os desabafos e as circunstâncias do homem, do ser social, Antônio Aurélio Cassiano de Andrade.

Mas embora articulados na primeira pessoa do singular, os poemas desse livro nem sempre gravitam em torno do eu, pois também contemplam o leitor com uma dicção plural, coletiva: (…) “Que a poesia avise em casa / que vai à luta / E não sabe se voltará como ela”. No arremate, eis o eu lírico convocando os poetas para combater o bom combate: “Escrevamos / soldados!”.

Apesar de desaclimatado, de imprimir aos poemas a sua condição de “gauche”, o eu lírico não grita a plenos pulmões, dificilmente o faz, optando quase sempre pelo tom de conversa, algumas vezes de confidência: “Quando Deus / Fizer um corpo / Para o meu / E igual ao meu / Amar / Vou amar Deus / Por entender / Que Ele / Finalmente / Me entendeu”.

Este é um dos bons momentos de “Poemas embalados a vácuos, lançamento da Editora Arribaçã com prefácio de Linaldo Guedes.

 

(*) Sérgio de Castro Pinto é poeta e escritor. O texto acima foi publicado no jornal A União, edição de 3 de dezembro de 2021.

        

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