São versos pungentes e candentes que nos traz em ‘Um poema acontece’

Solha,

 

Esse livro dá continuidade, aprofundando as inquietações existenciais e metafísicas de ‘Preciso de um poema nOvo’, em que os questionamentos e perplexidades do escritor e do homem evocam, numa pulsão vulcânica e catártica, o seu olhar escrutinador.

Não é apenas a literatura entabulada numa sofisticação estilística que está em jogo, mas a força de uma linguagem que faz uma imersão funda nos seus signos para desvelar um mundo de paradoxos e dicotomias, em que nada escapa ao seu mapeamento crítico, à sua cartografia filosófica, ao seu espírito de escafandrista dos mistérios profundos não apenas da alma mas do próprio idioma, pois é nele que se opera aquela consciência do poder da escrita definida por Barthes (e que não tenho dúvida integra não apenas suas construções temáticas, mas a arquitetura formal, culminando num hibridismo, em que, na ficção ou na poesia, vários gêneros a atravessam): “A linguagem é como uma pele: com ela eu contacto os outros. Eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz”. Nesse sentido, vejo todas as linguagens incorporando suas lutas e seus lutos: o cinema, a fotografia, o teatro, a dança, a pintura etc, num caldal simbólico vão panoramizando o seu arcabouço criativo numa panóplia intertextual e metalinguística.

É um livro de uma vivaz complexidade, por isso mesmo traz ressonâncias com uma perspectiva de mergulho no insondável, que remete ao que disse Lacan em ‘Seminário 20’: “Escrevo a partir do que não pode ser escrito”.

Na riqueza de referências, analogias, aproximações, citações etc, você flerta e dialoga com seus pares num encontro simbiótico e profundo, traz à sua escrita um pathos singular.

São versos pungentes e candentes que nos traz em ‘Um poema acontece’ e isso faz lembrar o que disse Antonin Artaud:  “… o Poeta é aquele que exprime em Palavras de Fogo, e que naquilo que escreve se eleva a si próprio, a fim de transportar a consciência das pessoas.”

É isso meu caro, mais não digo, porque a obra é maior que qualquer tentativa de expressá-la à altura. Que cada leitor, e a exegese dos críticos e ensaístas, possam revelar outros ângulos e facetas desse poema, que é um testamento verbo-visual de quem sabe escandir esteticamente esse mundo, com suas contradições e distopias.

Aqui é apenas o olhar de um leitor.

 

Ronaldo Cagiano

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