Irismar e a poesia de uma cidade – Linaldo Guedes

A frase de Tolstoi é clássica e todo estudioso e/ou admirador da boa literatura já deve ter lido-a: se queres ser universal, começa a pintar sua aldeia. É certo, que as pessoas, de uma forma geral, têm afeto e gostam de cantar suas raízes. A forma como faz esse canto, essa ode, é que determina o que é ou não é uma obra de arte.

Quando retornei para Cajazeiras, em 2017, conhecia de Irismar di Lyra o “Cantata para o Agora” (cujo exemplar recebi do mestre Jomard Muniz de Brito nos idos de 1990) e alguns artigos e crônicas em jornais. Sim, sabia de sua poesia, mas conhecia pouco dela.

Graças ao parceiro Lenilson Oliveira e ao grupo Poesia no Coreto, tive a oportunidade de assistir emocionado a uma homenagem a Irismar em meados de 2018. E fui atrás, para conhecer melhor sua lírica. Chega às minhas mãos, então, “Cajazeiras, uma aldeia poética”, em sua primeira edição que remete ao ano de 1999. Exatamente vinte anos depois, a Arribaçã tem a honra de publicar uma segunda edição da obra.

Uma obra como essa não pode ficar relegada ao esquecimento no tempo e no espaço. As novas gerações, principalmente, precisam conhecer a poesia de Irismar di Lyra. Precisam saber que, depois de Cristiano Cartaxo, a cidade de Cajazeiras tem um poeta que sabe muito bem cantar sua aldeia.

“Cajazeiras, uma aldeia poética” pode muito bem ser definido como um itinerário lírico da terra do Padre Rolim. Ou um roteiro para entender o lado boêmio, artístico, cultural e lírico de Cajazeiras. Principalmente as cajazeiras dos anos 1970 para cá.

Está tudo em suas páginas. Da poesia do pôr do sol no Açude Grande ao legado de Mãe Aninha e a devoção ao Padre Rolim. Das suas ruas suburbanas, como a Rua dos Tecedores, à tradicional Praça das Oiticicas, Dos ventos do Aracati, aos sítios dos arredores, como o Patamuté. Do nosso Rei João, primeiro e único no nosso carnaval de todo santo dia, à sedução de Madame Lilia.

Irismar sabe que é preciso cantar sua aldeia, com poesia e devoção. Mas é preciso, também, cutucá-la, acordá-la, no melhor estilo Mário de Andrade, quando faz sua ode ao burguês. Daí, ele insulta a politicagem, a falta de apoios oficiais para a cultura, mas exalta a força de sua arte e de sua gente. E humildemente explica seu amor a Cajazeiras:

“De sabedoria te imagino poema;

No exílio, minh’alma inquieta-se.

Na condição de filho

fora de casa,

fiz de ti, cajazeiras,

o teor dos meus poemas

e, à distância, outra cidade me acolhe,

sem seus atributos peculiares”.

(Texto publicado nas orelhas de “Cajazeiras, uma aldeia poética”, Arribaçã Editora, 2019)

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