Solha foge dos modelos convencionais de relatos memoriais

Por Marília Arnaud

 

Acabo de ler a Autobiografia de W.J.Solha, editada pela Arribaçã em 2023. Li devagarzinho, adiando o momento do fim, porque, além do aprendizado com as experiências ali narradas, algumas das memórias de Solha são igualmente minhas, como lugares e pessoas.

Pombal, primeira cidade paraibana onde ele viveu quando chegou de Sorocaba para assumir um emprego no Banco do Brasil, é a cidade onde minha mãe nasceu e viveu até se casar, onde viveram meus avós maternos, e onde eu costumava passar férias quando criança e adolescente.

Conheci muitas das pessoas citadas no livro, inclusive familiares meus com quem Solha chegou a conviver. Meu avô, que embora tivesse formação em Odontologia não atuava como dentista, trabalhava no Banco do Brasil e durante algum tempo foi colega de Solha na agência de Patos. Então, menina ainda eu já ouvia falar dele como sendo o maior escritor vivo da Paraíba (esqueciam-se de que ele viera do Sudeste), além de ator, produtor de cinema e leitor de todos os bons livros existentes na cidade. Desde sempre irrequieto, criativo, brilhante, Solha construiu sólidas amizades na terra da minha mãe, deixando ali registros da sua passagem, a exemplo do filme “O salário da morte”, produzido por ele e por José Bezerra em 1970, primeiro longa metragem paraibano, todo rodado em Pombal.

Um dia, eu viria a conhecê-lo, o que ocorreu, não estou certa, no final dos anos noventa, quando passamos a ler os textos um do outro. Desconheço muitos dos livros de Solha, premiados em concursos nacionais e publicados por grandes casas editoriais, por se encontrarem esgotados. Porém, li outros romances e todos os seus poemas longos (de que gosto muitíssimo, especialmente de “Trigal com corvos”).

Nessa Autobiografia, J.W. Solha foge dos modelos convencionais de relatos memoriais, ou seja, os fatos ali narrados não seguem uma ordem cronológica nem temática. Então, após lermos sobre episódios ocorridos por ocasião das gravações de “O som ao redor” e “Era uma vez eu, Verônica”, nos deparamos com trechos em que Solha fala de sua infância em Sorocaba, a escola, os colegas, as relações familiares, o primeiro emprego, as primeiras revistas de arte compradas com o próprio salário, o primeiro auto-retrato. Entre um relato e outro sobre suas leituras e os próprios escritos, Solha nos conta das trocas com o maestro Kaplan, da doença e morte do filho, de um tempo em que esteve na UTI de um hospital, de observações feitas por sua filha ainda criança, de quantas vezes teve de se fingir de valentão para afugentar ladrões do jardim de sua casa e assaltante de vizinha.

Muito obrigada, Solha, por me presentear com essas memórias que me fizeram rir, chorar e conhecer mais um pouco desse artista humano, plural, imenso.

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