“Um livro necessário às mulheres”

Por Henriette Effenberger*

“Narciso era um rapaz plenamente dotado de beleza. Seus pais eram o deus do rio Cefiso e da ninfa Liríope. Dias antes de seu nascimento, seus pais resolveram consultar o oráculo Tirésias para saber qual seria o destino do menino. E a revelação do oráculo foi que ele teria uma longa vida, desde que nunca visse seu próprio rosto.”

A escritora Rosângela Vieira Rocha, em seu Nenhum espelho reflete seu rosto (editora Arribaçã), nos remete à face perversa do mito para descrever o vilão de sua trama e a esse aspecto da personalidade do antagonista chamou de narcisismo perverso.

O narcisismo de Ivan, travestido em bom moço, suga o que de melhor a parceira pode lhe proporcionar. Pois se apresenta a Helen ( e às outras mulheres da trama) como a alma gêmea, o par perfeito, o companheiro de todas as horas, o cúmplice nos sonhos. Porém quando a vítima está totalmente entregue aos seus encantos a descarta sem nenhum escrúpulo.

Diferente do golpista amador, que pretende apenas extrair benefícios financeiros com a relação pseudo amorosa, o narcisista perverso enreda a mulher numa teia de sedução, a qual, aos poucos vai minando suas certezas, convicções, quase chegando ao ponto de embotar a inteligência e o raciocínio lógico da vítima.

Helen, a protagonista, é uma mulher forte. Filha única, ficou absolutamente só após a morte dos pais em um desastre automobilístico. No entanto, tomou como objetivo de vida a paixão por gemas que aprendeu a lapidar com o pai ourives, até montar sua joalheria e criar sua própria coleção de joias. Determinada e profissionalmente a um passo da realização pessoal, mas emocionalmente carente, conhece Ivan que se faz presente com telefonemas e mimos, apesar da distância física que os separava.

A conquista se deu por palavras, lapidadas com maestria, face por face, como um bom ourives da alma feminina.

Assim como o reverso é feito de filigranas, uma ofensa aqui, uma desatenção acolá, de um modo tão engenhoso fazendo com que a vítima duvide se a ofensa e a desatenção realmente existiram e, muitas vezes, se culpando por elas.

Muito mais que um bom romance, esse é um livro necessário a mulheres de todas as idades e de qualquer estado civil. Reconhecer os pequenos sinais de abusos emocionais e que nas últimas consequências poderão levar, no mínimo, a uma depressão profunda é fundamental para qualquer uma de nós que pretenda uma relação saudável e harmônica, com o outro e consigo própria.

Não por acaso a capa é quase chocante, estilhaços do espelho em que o narciso vê o seu próprio rosto podem nos atingir se não estivermos com a alma absolutamente preparada para rechaçá-lo.

Em tempo: meu avô e meu pai foram ourives e as descrições sobre o trabalho de lapidação e ourivesaria me levou à infância em muitos momentos do livro, hoje até fui rever um anel que meu pai criou especialmente para mim no meu aniversário de quinze anos. Obrigada por isso também, Rosângela!

(*) Henriette Effenberger é escritora, radicada em Bragança Paulista. O texto acima foi publicado em sua página no Facebook, dia 13 de julho de 2019

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