Por Daniel Abath
“Sou Lucio Fontana / Passo a na[1]valha pro[1]fana em minhas telas, / em vez de pintá-las”. Pungente, o poeta Waldemar José Solha assim recepciona o leitor nos primeiros versos de seu sétimo livro de poesia, “Preciso de um Poema Novo”, recém-lançado pela editora Arribaçã. Aos 83 anos e dando continuidade a uma robusta trajetória literária, marcada por inovações estilísticas e reflexões filosóficas, Solha abarca em seu novo livro uma plêiade de temas e acontecimentos históricos, personagens e motivos filosóficos, atento a questões como a mortalidade e o papel do ser humano no universo em uma tessitura verbal de fôlego, entremeada por obstinadas conexões de pensamento.
O autor explica que sua escrita de um tipo de poema mais longo, base de “Preciso de um Poema Novo”, inicia-se em 2004, a partir de “Trigal com Corvos” (2004). “É uma forma de poesia que mescla o pensamento filosófico com a história da arte e a história humana e dessa mescla surge a beleza do poema”, explica.
Desde então tem explorado uma forma de expressão que considera particular por permitir reflexões profundas sem as limitações de uma narrativa convencional. Cada poema, conforme denota, concentra-se em um “veio”, um tema específico que é explorado até onde a criatividade e o pensamento conseguem levá-lo, na poiesis de um eu lírico coletivo, transcendental e cosmopolita.
“Eu me coloco no lugar de figuras históricas, como Michelangelo, Beethoven ou Einstein, e crio a partir desse ponto de vista, buscando uma forma de fazer citações que não sejam citações cruas”, descreve.
Nascido em São Paulo, W. J. Solha, que chegou à Paraíba para morar inicialmente em Pombal, reside em João Pessoa desde 1962. Filho de carpinteiro, Solha chegou à capital “liso”, como ele mesmo rememora, dividido entre as oito horas de expediente no Banco do Brasil e uma necessidade extrema de criar.
“Não tinha um tostão nem pra comprar uma tela e tinta pra pintar. Aí pensei: uma arte que não gasta nada é escrever. Então levava do banco os papeis usados e escrevia no verso”, conta em meio aos risos.
Lançou 21 livros, com os quais coleciona várias premiações, a exemplo do romance “Israel Rêmora”, contemplado com o prêmio Fernando Chinaglia, de 1974, e a coletânea de contos, roteiro cinematográfico e romances, “História Universal da Angústia” (2005), finalista do Prêmio Jabuti em 2006 e prêmio Graciliano Ramos, da União Brasileira de Escritores, em 2006, além de “Vida Aberta” (2019), com o qual Solha foi finalista do Prêmio Jabuti.
Horizonte da finitude
A inspiração para “Preciso de um Poema Novo” surgiu de um evento em 1994, quando observava o movimento de uma via principal na cidade de Madri — e que já foi objeto de um poema de sua lavra, na obra “Deus e outros Quarenta Problemas” (2015). A sensação de que a vida continuaria inalterada após sua partida o levou a refletir sobre a fugacidade da existência humana, tema que permeia seus versos atuais.
“Eu senti como se fosse uma alma observando o mundo sem mim. Foi uma sensação esquisitíssima e, a partir disso, decidi criar algo que abordasse o que significa estar vivo e o que acontece após a morte”, comenta, ao passo em que lembra das recentes partidas do jornalista Carlos Aranha e do cineasta Vladimir Carvalho.
Apesar de descrente em relação à metafísica do espírito, a religiosidade também aparece como tema recorrente em suas obras, resultado de uma educação familiar fortemente católica, da qual advém. Solha afirma que passou a questionar dogmas religiosos ao longo de sua vida, o que o levou a explorar temas como a ideia de eternidade da alma e o destino do indivíduo após a morte.
Em “Deus e Outros Quarenta Problemas”, por exemplo, o autor propõe uma reflexão sobre a narrativa de origem bíblica, na qual o ser humano é moldado pela terra, perspectiva que considera mais próxima da realidade do que a visão tradicional de que Deus criou o homem a partir do barro.
Vitalidade
Solha finalizou “Preciso de um Poema Novo” em cerca de seis meses. Ele havia pausado a obra a fim de dedicar-se à sua autobiografia, que considerou essencial para dar continuidade ao novo trabalho. Refletindo sobre o ofício de escritor, questiona-se a si mesmo por que escreve, à guisa da dúvida de Hamlet ao encarar o “to be or not to be”: “É uma coisa vital. Eu sinto que só escrevendo eu consigo respostas do que estou procurando. E não adianta eu procurar em coisas que outros disseram. Você mesmo tem que buscar, procurar. Na forma poética, temos o belo que é ‘vero’. Quando você procura a beleza, ao mesmo tempo você está procurando a verdade”.
Sua jornada na busca de editoras para a publicação de seus livros sempre foi marcada por grandes dificuldades. A esse respeito, Solha também relata frustrações diante de mudanças impostas por editoras, tais como alterações de títulos e capas que não condiziam com o conteúdo das obras. A preferência pela atual editora, Arribaçã, deu-se pela maior liberdade criativa e de colaboração, permitindo-lhe participar das decisões relacionadas ao design e ao título de seus
livros.
O poeta prefere não realizar oficialmente os lançamentos de seus livros. “Lançamentos sempre foram uma grande decepção. Vendi apenas três exemplares em um lançamento promovido pela universidade e, em outra ocasião, durante a inauguração de um sebo cultural, vendi apenas nove cópias”. Além de escritor, Solha também tem um histórico artístico multifacetado, atuando no teatro, pintura e cinema.
Contudo, devido ao tempo demandado, precisou reduzir sua participação nessas outras áreas. Sua última montagem teatral e a última exposição ocorreram, respectivamente, em 1988 e 2004, momento em que decidiu dedicar-se exclusivamente à literatura.
Para Solha, cada livro teve uma importância em cada novo instante de criação. No ano passado, lançou a “Autob/i/ografia de Solha”, contando um pouco da vida de alguém que, como ele mesmo faz questão de repetir, tem na escrita um ato essencial. “O que me motiva é encontrar respostas. Eu não tenho o livro na cabeça, eu tenho a ideia e o que eu quero saber. Eu vou estendendo até pegar o formato em que sinto que tá uma obra feita. É uma necessidade vital, ou então você não faz”.
PRECISO DE UM POEMA NOVO
– De W. J. Solha.
– Editora: Arribaçã.
– Formato: 14 x 21 cm.
– 88 páginas.
– Preço: R$ 45.
(Matéria publicada no jornal A União, 14 de novembro de 2024)