No balanço geral: Artista de múltiplos talentos, Waldemar José Solha lança, aos 80 anos, a sua autobiografia

Por Guilherme Cabral

 

Um homem de múltiplos talentos que, ao longo do tempo, conseguiu enveredar pela pintura, teatro, cinema e literatura. São essas memórias de uma trajetória de 80 anos de vida, construída de forma sólida, que o paulista – radicado na Paraíba desde 1963 – Waldemar José Solha relata no livro Autob/i/ografia (Arribaçã Editora, 346 páginas, R$ 60). O autor disse que não realizará lançamento da obra, mas já vem distribuindo a edição aos amigos e interessados, numa prática que lhe é usual.

Seguindo na ativa, ele já iniciou um novo projeto, com o título provisório de Poema Novo. “Ainda tenho muita pergunta a fazer com o mais íntimo de meu ser. Num de meus poemas longos, digo que a epístola do apóstolo diz que vemos tudo por espelho e em enigma, a verdade apenas vindo depois da morte. Não acredito nisso. Acho que temos um cérebro por alguma razão. E, já que somos a Terra pensando e criando, é porque Ela está buscando alguma coisa, através de nossos olhos, de nossas mãos, de nossas ideias e ações”.

A ideia da autobiografia veio ao começar a escrever seu poema longo anterior – O IrReal e a Suspensão da Credulidade – publicado em setembro, pela mesma Arribaçã. “Senti que me faltavam trilhos para avançar, um balanço geral de minha vida”, comentou W. J. Solha.

O artista também explicou a inclusão de duas barras no título. “Eu já tentara um relato de vida em ordem cronológica. Na página 80, dessa versão, parei para me perguntar: ‘Quem, diabo, quer saber dessas coisas?’ – e deletei tudo. Agora me lancei de novo ao mesmo gênero, mas levado pela ânsia de me compreender e compreender vários lances meus. O Machado de Assis cita Wordsworth: ‘O menino é o pai do homem’ – e vi que, na verdade, muitas de minhas atitudes ao longo do tempo foram ecos de reações iguais na infância e adolescência”.

O autor exemplificou algumas dessas suas atitudes. “No fim de minha carreira no Banco do Brasil, consegui assinar as folhas de ponto com um horário de 8h às 11h, e das 13h às 18h, com a pausa para almoço, mas chegando duas horas mais tarde e tirando o expediente direto. Pude, assim, criar vários de meus livros no espaço livre da manhã e, à noite, partir para o Teatro Santa Roza, para montar A bÁtalha de OL contra o gÍgante FERR, em 1986, A Verdadeira Estória de Jesus, em 1988… Quando tinha 11 anos, descobri uma revista em quadrinhos que me pareceu fantástica: Epopeia, com títulos tipo Aquila Maria, Miguel Strogoff, A Esfinge Negra, Heróis da Etrúria, Tourada Trágica e… pirei. Como havia números atrasados e a maravilha custava cinco cruzeiros cada, passei a não lanchar no ginásio, para guardar cada moeda de dois cruzeiros que minha mãe me dava. O velho, portanto, repetiu o novo”.

Na obra, Solha destacou algumas de suas memórias. “Primeiramente, tudo que se passou nos sete anos que vivi em Pombal, onde tomei posse no Banco do Brasil, fui chefe da Carteira Agrícola por quatro anos, subgerente durante dois. Os originais de meu romance Relato de Prócula ganharam o prêmio de incentivo à literatura da Funarte, em 2007, porque eu mostrava, nele, um Sertão nordestino desconhecido do país. Nada de miséria e atraso. Pombal, embora sem nenhuma biblioteca pública e livraria na época, tinha uma grande quantidade de grandes leitores, donos de obras completas de Shakespeare, Machado de Assis, Dostoievsky, Tolstói, filosofia grega etc. Era um paraíso para os vendedores de coleções”.

Foi no município sertanejo que Solha, natural de Sorocaba (SP), iniciou vários projetos e teve como amigo – nas palavrasdele – o homem mais culto que já viu: o médico Dr. Atêncio Bezerra Wanderley. “Quando prefeito, ele me nomeou presidente do grupo que o aconselhava nas realizações, uma das quais foi trazer a televisão para a cidade. Tive colegas estupendos, no BB, como Ariosvaldo Coqueijo, para quem escrevi, em 1968, O Vermelho e o Branco, espetáculo sobre a morte do estudante Édson Luís, no Rio, ocorrida dois meses antes. E o José Bezerra Filho, que me levou a fazer lite ratura e, depois, cinema. Fundou – comigo como sócio – a empresa que produziu o primeiro longametragem da Paraíba, O Salário da Morte, dirigido por Linduarte Noronha, numa adaptação do romance Fogo!, do Bezerra”, recordou ele.

Entre outras reminiscências presentes na obra, “as dos nove meses que me consumiram o painel – homenagem a Shakespeare, do auditório da Reitoria da UFPB; as lembranças de meu casamento e nascimento de filhos e netos; os lances de minha participação como ator no extraordinário longa O Som ao Redor, do Kleber Mendonça Filho; as longas pesquisas feitas em torno de Jesus – lá em Pombal e aqui em João Pessoa; parcerias memoráveis com o maestro Kaplan, como Cantata pra Alagamar e o musical Burgueses ou Meliantes?, com a professora Ilza Nogueira, no Oratório Via-Sacra, para a Semana Santa de 2005, e com Eli-Eri Moura, começando pelas trilhas sonoras que ele fez de minhas peças, de 1986 e 1988, a beleza que deu no seu ‘Réquiem Contestado’ e na maravilha que é a ópera Dulcineia e Trancoso, montada no Recife, Rio, Salvador e Roraima”, elencou ele.

No livro, W. J. Solha ainda revela algo que nunca o fez publicamente. “O Fernando Pessoa diz que todo mundo foi príncipe na vida, que nunca fez nada do que se envergonhar. Pensando nisso, contei um lance terrível, em que expulsei da agência do Banco do Brasil de Pombal uma multidão de camponeses, irritado com o fato de que insistiam em não trazer seus orçamentos já feitos, por escrito, tomando-me um tempo enorme para desencavá-los. Isso fez com que um deles me irritasse ainda mais, dizendo que tomasse cuidado, que ali tinha cabra valente. Explodi. Acho que não está na obra tudo que não associei às coisas em que me envolvi”, comentou ele.

Por transitar entre a pintura, literatura e cinema, teria Solha uma preferência por alguma dessas áreas? “Fascinava-me escrever, montar minhas peças, viver personagens como o Pilatos do Auto de Deus, do Everaldo Vasconcelos. Mas, de repente, como foram bons os seis meses de silêncio para criar uma versão contemporânea do que foi o Jardim das Delícias, de Hieronymus Bosch, quadro que tanto me lembrou João Pessoa, com a Lagoa ao centro, o mar lá no horizonte. E, em 2010, depois da overdose de cinema que foi a participação em dois longas pernambucanos – O Som ao Redor e Era Uma Vez Eu, Verônica, além de um curta de Carlos Dowling e outro de Laércio Filho, aqui na Paraíba – decidi (já estava com 70 anos) que tinha de me concentrar no que mais me dava respostas: a literatura”.

 

* Matéria publicada no jornal A União, edição de 21 de dezembro de 2024

 

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