Sobre “Nenhum espelho reflete seu rosto”

Por Giovana Damaceno*

“(…) fui criada para prezar a harmonia acima de tudo, às vezes pagando caro para mantê-la.”

Essa foi a primeira frase que marquei, durante a leitura de “Nenhum espelho reflete seu rosto”, novo romance de Rosângela Vieira Rocha, lançado pela editora Arribaçã.

A afirmação da protagonista Helen define o perfil de muitas de nós, mulheres, criadas e educadas para sermos cordatas, em nome de uma paz ideal que jamais vai existir em nenhuma relação entre seres humanos, pelo simples fato de cada um ter sua individualidade. Somos diferentes e ponto.

Fomos criadas e educadas para sermos cordatas com os homens, obedientes, mesmo; não discordar, não contrariar, deixar pra lá, “porque homem é assim”. Passamos a vida deixando pra lá e somos engolidas pelo outro, pelos outros, pela vida.

Em uma frase Rosângela explica a falta de ânimo, de energia ou de coragem de Helen, ao justificar o não enfrentamento à ira “sempre desproporcional e assustadora” de Ivan, o homem que a submeteu a uma relação abusiva.

Li o livro do início ao fim com a mesma questão na mente: “Quantas de nós..?”

Quantas de nós não deveríamos “ter prestado mais atenção às minhas percepções”, mas somos ofuscadas pela paixão, pela credulidade a um amor possível, enfim, por termos sido criadas e educadas para concordar. Quantas de nós não “quis várias coisas que não pude ter e desejei ser muitas mulheres que não fui”, porque fomos educadas e criadas para estar em segundo plano.

Além dessa reflexão que me fez parar o livro no colo diversas vezes para rever situações do passado, é brilhante (sem trocadilho, ou não) a pesquisa sobre joias e pedras preciosas em que Rosângela mergulhou para desenhar com preciosismo a trajetória profissional de Helen. E, ainda, a aula a respeito do narcisismo perverso, mote da história.

Por conhecer a autora pessoalmente, não posso deixar de destacar que a encontrei em vários pontos da narrativa, quando imprime seu jeito muito particular de dizer coisas, afirmar, reafirmar ou questionar. Como “(…) no final das contas”, “(…) fico aflita, sabe?” ou “(…) não era o Ivan real, entende?”.

“Nenhum espelho reflete seu rosto” é uma história que rende muitas análises e interpretações. Creio que Rosângela nos deixe muito à vontade para descobri-las.

(*) Giovana Damaceno é jornalista e escritora. A resenha acima foi publicada em http://giovanadamaceno.com/

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