Yuqueri – a flor, o rio e o vale de Adrienne Savazoni

Tal qual Don Juan, feiticeiro extraordinário do livro A erva do diabo, de Carlos Castaneda, a poeta Adrienne Savazoni entende que é preciso estar em sintonia com a sua origem. No livro do escritor peruano, Don Juan nos ensina que cada pessoa precisa encontrar o seu lugar, que seria o ponto de conexão com suas raízes. Uma vez estabelecida a união com a ancestralidade, cada ser estaria habilitado a superar seus medos e expandir a consciência ao Infinito, experimentando os mistérios cósmicos.

Em “Biografia”, poema deste vero livro Yuqueri, Adrienne Savazoni, vai logo esclarecendo: “Sou filha do Cerrado/ por isso tenho:/ a alma em chamas/ os sonhos ingênuos,/ o olhar pleno de horizonte”. E assim é esta poeta, uma sarça ardente alimentada pela seiva das origens, com o olhar a vislumbrar transcendências, mesmo em meio ao caos do consumo, que move a engrenagem que destrói tudo o que toca, em nome do progresso, da tecnologia e da civilização. O Cerrado é o espaço fundante da quimera poética de Savazoni: “São 65 milhões de anos/ incrustados em meu ser,/ desmanchando-me como/ folha seca ao vento”. Quem vem de tão longe, de uma ordem temporal que foge da esfera plana da razão, só pode desaguar no rio pleno da poesia, devastando medos e inaugurando paisagens.

Yuqueri significa espinhozinhos que dormem, porém o livro Yuqueri acorda os espinhos. A cada poema lido, sente-se o acender da consciência, despertado pelas contundentes metáforas que se apresentam a todo instante. Ora se ergue um totem a “Mybá”, vulto guarani que criou um mundo e batizou uma terra; ora se levanta a memória de Inês, cuja face se perdeu na noite dos tempos, mas “salvou seu filho com uma cruz; ora contemplamos a face de “Aurora Cursino”, a Frida Khalo do Juquery, cuja nome nasce com o sol e “seu corpo/ é o cálice/ quebrado da noite”. Há outros personagens estampados em vários poemas, que, no tempo e pelos tempos, viveram no Juquery, e foi esse pedaço do Cerrado que viu e sentiu o crescimento da menina que se tornaria a defensora ecológica, a dedicada professora e a poeta dos povos que existiram e coexistem naquele esconderijo tão acessível aos que sofreram e aos que ainda sofrem algum tipo de opressão.

A “Carta Poema ao Parque Estadual do Juqueri”, além de um libelo ao Cerrado é também um documento de protesto – uivo lancinante do lobo guará que habita na poeta e que foi habitante daquelas plagas. Savazoni sabe que “A loucura é a irmã conselheira dos poetas”, por isso aceita o delírio ancestral e se deixa conduzir por ele, abrindo cancelas e seguindo no trem da vida em busca do nome que é laço e origem. Sim, Yuqueri, é flor, rio e vale, é a casa 34, arca que a todos abriga – eis o endereço da poesia de Adrienne Savazoni. Sejam todos muito bem-vindos.

 

 

José Inácio Vieira de Melo

Pedra Só, Chapada Diamantina, Bahia

Março de 2023

 

 

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