Aurélio e a poesia que traz o vento leve das ruas

Por Linaldo Guedes

Antônio Aurélio Cassiano de Andrade é nome de poeta! De poeta com muita qualidade. Daqueles poetas que a gente pensa não existir mais. Aqueles poetas que são poesia antes de serem poetas. Até pela sua história, Aurélio, como preferimos chamar, tem uma poética que vem dos becos, das ruas, dos bares undergrounds, das noites sem fim na orla de João Pessoa. Uma contracultura meio anos 1980, misturada com o boom do rock nacional, que explodiu sem renegar a MPB tradicional de Caetano e Chico. A poesia de Aurélio bebe dessa fonte. E dos beatniks, e da Oficina Literária de Antonio Arcela, e dos hippies, da utopia. Tudo isso pode ser encontrado em “Poemas embalados a vácuo” (Arribaçã Editora, 2021), com capa de Leonardo Guedes inspirada em Rolling Stones.

Aurélio é pura filosofia, por exemplo, quando vê uma mangueira de jardim um furacão igual a Deus, só que no mundo do jardim. Também quando fala de Foucault e Sartre nas sobras do Muro de Berlim.

É lírico e sutilmente erótico ao lembrar da solidão seguindo determinado olhos verdes. É metafísico, quando afirma:

Talvez eu morra


Não sei se quero
Porque prefiro
Velórios vivos


            Mas quem é Aurélio, deve estar se perguntando o leitor que não conhece a cena literária pessoense dos anos 1980? Apesar do litoral, Aurélio é o medo…

Correndo na caatinga
Na luta entre a Rolinha
E a baladeira

Eu sou o índice
Das portas fechadas

Não estranhem. Aurélio vem das entranhas do Sertão, de Triunfo, na caatinga paraibana, lugar onde se rompe a barreira da estiagem, como estamos tentando romper a barreira do tempo nesse 2021 maluco, um verdadeiro “dilúvio”, como define o poeta..

Em um dos poemas, Aurélio busca, do nada, de repente, um encontro com Caetano Veloso. Natural para um poeta que era beatnik, que queria mudar o mundo, apesar das ausências de amigos de então. Sozinho ninguém é capaz de mudar o mundo, mas pode construir poemas sonoros.

Mesmo com hiatos, com limbos que nunca hão de serem definitivos. A poesia chama e bate na porta dos que têm o que poetar. Aurélio é o que dói, mas que também goza em delírio. E goza porque recorda do rosto de mulher, em memórias de batom, de Bahia Oxum. Afinal, “ninguém guarda um pedaço de dor para amanhã” – que verso, poeta! E tudo é amor. Até o nada que nos ocupa, a dor que não é nossa e que dói na gente também.

Gosto de poemas narrativos, como o que ele recorda a menina na fila do teatro. Remete este escriba a outras filas de teatro, sem meninas, mas com o Santa Roza imponente à frente, como se gritasse: hoje tem espetáculo!

Para Aurélio, “Somos os relógios/ Eternamente emperrados”, dançar com as bruxas é algo bem interessante, os poetas devem fazer a redenção de quem arde de amor e a longa noite está chegando, com “seus currais/ ante salas de abates”.

Tivemos, eu e Aurélio, mesmo roteiro, sem nunca termos nos cruzados. O Caverna Bar, a Notorious, o show Realce, de Gilberto Gil, a peça Bailei na Curva, os sons de Roberto e Caetano. Por isso, esse poema a seguir me define, tanto:

Agora vou tirar a barba
Vou lavar os cabelos
Vou cuidar dos dentes
E tratar de não morrer tão cedo

Vou plantar batatas doces
Regar jardins
E não me esquecer
De esquecer
O que jamais deverá ser lembrado

E morderei as fronhas
E delirarei ao vento
E depositarei
Finalmente
Meu corpo
Ao lado de nossas memórias

Evoé, Aurélio! Arribemos, porque a poesia é feita de voos.

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