DE OLHO NA ESTANTE: Filete de sangue entre as gengivas em “Piquete soledade”

Por Johniere Alves Ribeiro

 

“Sentir separado entre os dentes / um filete de sangue / entre as gengivas”. Esses versos de Ana Cristina César representam bem a maquinaria expressiva daquilo que chamamos no hoje de poesia contemporânea. Neles uma voz potente que ergue-se feito um grito rompendo grilhões de alçapão que renega aos versos um lugar secundário ao fazer poético na sociedade.

Diante disto, mais do que ler sinto ventos fortes de um vérsica da agoridade, que mesmo respeitando séculos da existência do gênero faz questão de ser e estar sempre em novidade. É o que percebo em “Piquete soledade” de Vamberto Spinelli Jr. Um livro que abre portas e janelas para arejar a dicção de um “eu lírico” fluído e combativo amalgamado na metalinguagem: “escrever poemas / é uma forma de resistir/ sem fazer / concessões” ou “ o poema é pouca letra / para tanto papel”.

Outra marca importante dessa escrita de Vamberto Spinelli é o modo como promove o agenciamento entre a “ficção” e a “realidade”, diria que há uma “ficciorealidade”, como se pode observar nos seguintes versos: “o som o som o som / o operário o vendedor / o som o som o som / a cidade / o balconista e o sequestrador / de caminhos”. É sempre bom lembrar: “o poeta é a pimenta do mundo” (W. Salomão). O lírico, partindo deste nosso olhar, sem dúvida, é o incômodo, pedra no sapato friccionando aquele calo que já estava por lá. A intempestividade habita sem pagar tributo em algumas linhas da amarguitude a que nos expõe as demandas sociais e o poeta Spinelli não se exime de tal contato, todavia ele deixa, propositalmente, que isso aconteça.

“Nenhum riso inusitado ou gesto amargo, nem traço de tia, de mãe, de avô vivos ou falecidos, do corpo ou matéria em esquecimento” vamos sentindo isso durante os passos nos “Piquetes I e II ”, nas “ Soledades”, “Camarada Sol” e “Cúbica quarentena” creio que esta última parte do livro é, de alguma maneira, a regente de todo o espectro dos versos que compõem todos os poemas.

É por isso, que o DE OLHO NA ESTANTE indica esse “Piquete soledade” (Editora Arribaçã, 2022) como uma forma criar, junto a você leitor, mais um traço na cartografia da poesia contemporânea expressa por Vamberto Spinelli.

 

Johniere Alves Ribeiro é professor-doutor e resenhista parceiro da Arribaçã. O texto acima foi publicado na seção “DE OLHO NA ESTANTE”, em seu perfil no instagram: @johniere81

 

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O livro “Piquete Soledade”, de Vamberto Spinelli Júnior, pode ser adquirido no site da Arribaçã no seguinte link: http://www.arribacaeditora.com.br/piquete-soledade/

 

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