O irreal e a Suspensão da Credulidade, de W. J. Solha

Por Amador Ribeiro Neto

 

O irreal e a Suspensão da Credulidade, de W. J. Solha (Ed. Arribaçã, 2023) é livro constituído por um único poema, sem subdivisões. Porém a leitura aponta dois momentos distintos: um em que a sobrecarga de citações e referências sígnicas, intra e intertextuais, domina o texto e outra em que a diccção discursiva corre leve e solta – ainda que não dispense as mesmas referências, agora mais dispersas.

O livro é o sexto poema longo  publicado e traz no subtítulo sua explicação, “tratado poético-filosófico”.  Por aí fica-se sabendo que para o poeta poesia é também palavra que puxa reflexão –  e não apenas palavra enquanto  elaboração literária.

Para quem pensa que poesia e filosofia são dois bicudos que não se beijam é bom deixar o livro de lado. Para os menos arraigados a conceitos prévios, vale o desafio da leitura de mais um livro de poesia contemporânea paraibana, brasileira.

A primeira parte de O irreal dá sequência a livros anteriores do poeta, num processo de criação que envolve a enumeração ou bricolagem semiótica como obsessão – como em seus livros anteriores.

Nas páginas iniciais de “Trigal com corvos” (2004), seu primeiro livro da série com este recurso, a criatividade surpreende e cai bem. Ao final do volume, já nem tanto. O recurso vai parecendo repetitivo, cansativo. Pode-se dizer que estilo seja isso.  A conversa  vai  longe. Os limites são delicados. Não vou me estender nesta resenha. A verdade é que aquilo que no início do livro agradava muito, ao final já não tem tanto encanto. Em tempo: a  bem dos fatos, ressalve-se: o  livro foi agraciado com o Prêmio de melhor livro de poesia do ano pela UBE, Rio,  2005.

A segunda parte flui numa prosa posa poética, ou “proesia”, na maior parte das vezes, apaixonantemente musical e cinética. Evidentemente, que sustentado  pelo “tratado filosófico”.

E então não há como o leitor desprender-se da leitura.

O olho de Hórus que corta/vaza/percorre o poema todo, visualmente, como marca gráfica – sim, este olho e sua simbologia mitológica – guiam e imantam o leitor ao mesmo tempo. É o olho  do questionamento, das inter-relações,  e da (auto)criação que se processa pelo ato da leitura. É o olho do eu-lírico. É o olho do leitor. É o olho do próprio texto.

É um signo que a cada página se destaca graficamente para a suspensão do real e a credulidade na poesia.

A fragmentação do mundo contemporâneo hoje é vivida por uma parcela da nova geração como realidade de entrega da era digital sem ansiedade ou angústia. Um modo de vivenciar o “carpe diem” sem mais a necessidade da vivência da totalidade do mundo como era vivenciada no século passado ou início deste.

Esta “modus vivendi”, da geração “Z” encontra eco na pletora solar de parte significativa  dos versos deste poema.

É que há vida e humor em “O irreal”. Bastante. Isto abre o livro para espaços intergalácticos dos tratados poético-filosóficos mais inovadores e inesperados dentro da poesia contemporânea brasileira. Procedimento, note-se, que encontramos também na poesia minimalista, mas não menos filosófica, de Sérgio Castro Pinto. O humor é um grande recurso poético, encontrado, infelizmente, em raros poetas.

Cito uma passagem:

 

 

se vê

 

que é preciso que se pinte

 

e borde

 

um estudo que aborde o fato

 

de que

 

nós

 

não importa aonde,

 

fazemos – sempre – téâtre du monde,

 

.

 

Toda mulher será sempre outra

 

e,

 

com certeza,

 

nada neutra,

 

ao sair da loja ou salão de beleza,

 

depois do pupurri que vai da sua maquiagem

 

à lingerie.

 

.

 

Mas vi um homem,

 

numa série… terrífica

 

de ficção  científica,

 

condenado a um planeta vazio,

 

até

 

que,

 

tido como já punido por boa parte de seu crime

 

e permanecendo… sadio,

 

lhe fizeram o envio… de um robô… feminino,

 

para ele

 

presente

 

divino.

 

Aí,

 

depois  de mais dois ou três anos

 

insanos,

 

ali desce,

 

suave,

 

outra e

 

pra buscar o meliante.

 

… Mas,

 

negado espaço pra… acompanhante,

 

ele,

 

furioso,

 

diz  que não sai sem a companheira,

 

ao que o piloto – seguindo, imperioso – a norma contra os

 

confusos,

 

dá um tiro no rosto da moça,

 

de que voam porcas e arruelas,

 

molas

 

e parafusos.

 

.

O irreal e a Suspensão da Credulidade é livro de poesia sem fronteiras, de um novo Brasil, merecedor de seus melhores poetas e suas melhores poesias, canções, artes e ares. Evoé, Solha!

 

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O livro “O irreal e a suspensão da credulidade: Sexto tratado poético-filosófico”, de W J. Solha, pode ser adquirido AQUI

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