Um romance que precisa ser lido por homens e mulheres

Por Kyanja Lee*

Existem histórias que somente uma mulher poderia escrever, com sua visão e vivência de mundo. Ao legitimar tais narrativas sob uma perspectiva feminina, faz com que ressoem de maneira muito mais poderosa junto a outras mulheres. Acredito que assim se configure o caso deste romance de Rosângela Vieira Rocha: “Nenhum Espelho Reflete seu Rosto”. (Arribaçã Editora)

Helen é a narradora e protagonista de uma história de amor, assombro e horror, em que se enreda com o homem errado, mas que não sucumbe à loucura nem à depressão e tampouco à autodepreciação a que relacionamentos tóxicos podem induzir — o que não foi o caso de Veridiana, uma das mais recentes vítimas de Ivan, o perverso sedutor por quem ambas se apaixonam em diferentes épocas. O que as liga, além dessa paixão em comum, é o psicanalista desta última, que pede socorro à Helen a fim de retirar a paciente do estado quase vegetativo em que se encontra. Ele fica sabendo pela filha de Veridiana que a mãe teve um relacionamento com um argentino e que teria sido namorado de Helen. Assim, pede a ela que lhe dê pistas sobre quem é esse tal Ivan que teria deixado sua paciente tão mal, uma vez que não consegue arrancar nenhuma informação dela para poder auxiliá-la no processo terapêutico.

Sem tempo de se encontrar com o psicanalista, residente em outra cidade, e às vésperas de estrear uma importante coleção de jóias — uma vez que é dona de uma pequena joalheria —, Helen se compadece da vítima de Ivan e resolve enviar ao Dr. Jorge, por meio de relatos diários em forma de longos e-mails, sua história de como conheceu Ivan e como se desenrolou a sua história pessoal com ele.

Os capítulos se alternam entre esses relatos muito francos ao psicanalista, em forma de flashback, sobre a relação amorosa com Ivan; e a narrativa, no tempo presente, sobre os preparativos desse ambicioso projeto de assinar uma coleção de joias. A protagonista discorre sobre sua paixão pela joalheria e gemologia, e o faz tão brilhantemente que a autora nos convence de que domina o assunto (o que, no fundo, revela ser uma pesquisadora detalhista e incansável — tanto de pedras preciosas, quanto das facetas humanas.). E como não se apaixonar também por esses minerais, rochas ou materiais petrificados que, ao serem lapidados ou polidos, só têm a beleza ressaltada? É, indiscutivelmente, um universo maravilhoso ao qual Rosângela nos introduz, ainda mais ao discorrer sobre as propriedades terapêuticas associadas a algumas pedras preciosas.

Como observa com sagacidade a psicanalista Junia de Vilhena, em seu prefácio, “a autora acredita em mulheres fortes, que embarcam em suas experiências, mas também sabem sair delas. Além disso (…) mostrando que esses dramas não são particulares, posto que relações tóxicas não são ‘privilégio’ de poucas mulheres. A extensa pesquisa que fez sobre narcisismo e perversão, que Helen utiliza como forma de elaboração, pode servir de alerta sobre o perigo que ronda muitas relações amorosas”.

Confesso que não tive como não me identificar (ou identificar homens que eu já conheci) nessa história que Rosângela tece com tanta habilidade. E acredito que nem seja o caso de ressaltar o viés das relações amorosas oriundas de redes virtuais, posto que o enfoque dado pela autora nem foi tanto este — a virtualidade apenas serviu como uma porta de acesso para que se estabelecessem os contatos iniciais. Embora, naturalmente, não há como negar que facilita muito as ações de determinadas pessoas de má-fé.

“Nenhum Espelho Reflete seu Rosto” é um romance que merece e precisa ser lido por todos (homens e mulheres). Finalizo minhas impressões com esta frase reflexiva de Helen: “A insegurança, até certo ponto, talvez seja criativa. Se eu fosse muito segura de mim mesma e sem nenhuma angústia não precisaria criar nada, pois tudo estaria pronto. É essa incompletude, essa vontade de ser mais e maior e transcender os limites impostos, essa ânsia de penetrar nos mistérios das coisas que me faz caminhar. Coisas bonitas não saem do nada e nem são feitas sem algum tipo de dor”.

Esta é a síntese do processo criativo.

PS.: Gostei muito de saber que foi publicado pela novíssima Arribaçã Editora, a mais nova da Paraíba — nascida em pleno Alto Sertão, na cidade de Cajazeiras. Vamos prestigiar o Nordeste!

(*) Kyanja Lee é formada em Propaganda e Marketing pela ESPM e especialista em Língua e Literatura Inglesa pela UNAERP. O texto acima foi publicado em sua página no Facebook

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